sábado, 14 de novembro de 2009

De José Régio

"Vem por aqui"

dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços,
e seguros de que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem:

"vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,

E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre da minha mãe

Não, não vou por aí!

Só vou por onde me levam meus próprios passos...
Se aos que busco saber nenhum de vós respondeis
Por que me repetis:

"vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo,
Foi só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faça não vale nada.

Como pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias o sangue velho dos avós,
E vós amais o que é mais fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos,
as torrentes,
os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a,
como um facho,
a arder na noite escura,
E sinto espuma,
e sangue,
e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam
Mais ninguém !!

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga:

"vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei para onde vou,
Não sei por onde vou

Sei que não vou por aí

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