quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A massacrante felicidade dos outros


Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais
verde coisíssima nenhuma.


Estamos todos no mesmo barco. Há no ar um certo queixume sem
razões muito claras. Converso com mulheres que estão entre os 40 e
50 anos, todas com profissão, marido, filhos, saúde, e ainda
assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo
que as incomoda, mesmo estando tudo bem.

De onde vem isso?

Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o
poeta Antonio Cícero, uma música que dizia: "Eu espero/
acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro
apartamento" .

Passei minha adolescência com esta sensação: a de que algo
muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não
tinha convite. É uma das características da juventude:
considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são
- ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar
de ficar tão ligada na grama do vizinho.

As festas em outros apartamentos são fruto da nossa
imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos
e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas
falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não
dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos
estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a
festa lá fora não está tão animada assim.

Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais
verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com
motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no
escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no
escuro raramente são divulgados. Pra consumo externo, todos são
belos, sexys, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores. "Nunca conheci
quem tivesse levado porrada/ todos os meus conhecidos têm sido
campeões em tudo".

Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição
alheia, e olha que na época em que ele escreveu estes versos não
havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de
faz-de-conta.


Nesta era de exaltação de celebridades - reais e inventadas -
fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas tem.
Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias,
desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa
biografia.

Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras
fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores?

Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a
profissão de modelo exige?

Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez
que você sai de casa?

Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas
interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as
unhas do pé?

Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida
sensacionalista. As melhores festas acontecem dentro do nosso
próprio apartamento.

(Martha Medeiros, gaúcha, 44 anos, Jornalista, poeta e gente
fina.)

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