segunda-feira, 2 de novembro de 2015

COLINAS DE GARZÓN: CRIATIVIDADE E TENACIDADE PLATENSES

Os atuais duzentos moradores de Pueblo Garzón, minúscula localidade perdida entre serras a 175 km de Montevidéu, caracterizada por casas muito simples e vida pacata, ficam espantados com a tamanha frequência com que ouvem idiomas alheios e esbarram com estrangeiros circulando em suas ruas de terra batida, atraídos pelo chamado “turismo de experiências”. Acessa a microrregião cerca de 5.000 novos visitantes por ano, 80% deles oriundos do Brasil. A referência mais significativa da cidade (e não é pouco) é uma pousada de apenas cinco habitações, pelas quais são cobrados por noite U$S 900 para quarto duplo e U$S 500 para individual, a qual tem também o privilégio de abrigar um excelente restaurante, aberto somente durante os meses de verão, idealizado e conduzido pelo consagradíssmo chef argentino Francis Mallmann.     
  
                                           
     
                                                                                                                     
Fora desse período, contudo, o afluxo de compatriotas e outros estrangeiros a essa zona de Maldonado, ao lado das praias de Punta del Leste e José Ignácio, deve-se a um empreendimento de grande envergadura chamado Agroland, cuja instalação no final da década de 1990 revolucionou totalmente a tranquilidade e o sossego de Pueblo Garzón, mas com grandes vantagens econômico-financeiras para o seu entorno. Além de estar associada à pecuária, às energias alternativas e ao reflorestamento, a empresa tem no setor olivo-vinícola uma de suas maiores e bem sucedidas iniciativas.

Trata-se de um projeto levado a cabo pelo multimilionário argentino Alejandro Bulgheroni que resolveu, entre planícies verdejantes, córregos e lagos de grande beleza, plantar oliveiras, vinhedos e construir uma planta-butique que impressiona pelos recursos à tecnologia de ponta e pela qualidade estético-ambiental do receptivo que atrai anualmente milhares de gourmets, visitantes comuns e consumidores de alto poder aquisitivo para degustar azeites extra-virgem e vinhos continuamente premiados.
                                                                                 

São 5.000 hectares de terras férteis, das quais 700 dedicadas às oliveiras, 500 ao cultivo de uvas e 250 destinadas às amendoeiras. Os visitantes dispõem de troles motorizados e charmosas charretes para percorrê-las, sendo igualmente possível vislumbrar os extensos limites da propriedade e de seu entorno a bordo de coloridos balões, experiência inusitada que se preserva invariavelmente na memória. Na sede-butique onde a empresa recebe os visitantes para as boas vindas e as degustações harmonizadas há obras de arte, móveis de design e tapetes persas, tudo muito sofisticado em meio à utilização meticulosa de pedras, vidros, madeiras nobres e concreto aparente, bem planejados e sem exageros para não tirar do ambiente as características campestres que o assinalam. 

Depois de rápidas apresentações audiovisuais em confortável auditório, que resgatam a utilização milenar do azeite de oliva e contam a história do empreendimento argentino em Maldonado, os visitantes são conduzidos a um amplo salão escuro onde, depois de cada filme sobre as diferentes etapas do processo de produção local, movem-se as paredes laterais e descortina-se a visão panorâmica da fábrica onde tudo acontece. Um espetáculo sincronizado e conduzido por equipe de recepcionistas treinadas na matéria, à disposição dos grupos de visitantes desde a chegada até o término da programação.

Depois de saber, entre outras peculiaridades, que Colinas de Garzón processa 200 toneladas de azeitonas por ano, que de uma oliveira se extrai em média 25 quilos de azeitonas, suficientes para produzir apenas 2 litros de azeite (13 kg para cada litro), que o azeite engarrafado conserva suas propriedades originais por até 2 anos e que aberta a embalagem o produto só mantém as qualidades intrínsecas por mais três meses, os visitantes são convidados a degustar os produtos da empresa, em ambiente acolhedor e sintonizado com a paisagem local.

                                                                   


Além de provar queijos nobres com pães fabricados no local, vinhos das cepas Alvariño, Sauvignon Blanc, Viognier, Pinot Grigio, Pinot Noir e Tannat, cultivadas pela associada Bodega Garzón, ademais dos azeites oferecidos à degustação personalizada (a maioria dos brasileiros se deleita com a novidade), os turistas embevecidos descobrem simultaneamente um pouco mais sobre as propriedades das azeitonas ali cultivadas.

Primeiro, que a Coratina proporciona o fabrico de um azeite varietal de excelência, com coloração dourada intensa e ligeiros tons verdosos, de aroma herbáceo e textura expressiva, ideal para acompanhar carnes de caça, peixes rosados e queijos fortes. Segundo, que a combinação de Arbequina e Coratina gera um exemplar suave, mas com caráter, ligeiramente amargo, próprio para utilização em pastas e arrozes, saladas, peixes brancos e verduras cozidas. Terceiro, que o blend de Coratina, Barnea e Picual oferece um sabor mais amargo, mas com personalidade, de um dourado profundo, aroma frutado, toques picantes e textura mais espessa, próprio também para condimentar pescados rosados, carnes e mariscos de sabores fortes, além de carnes brancas e massas. Por último, que a mistura de Frantoio e Leccino, de corte italiano, adquire também uma cor amarelo brilhante de reflexos verdes, aroma frutado com matizes de ervas recém-cortadas, equilíbrio entre o amargor e o picante, que são muito bem sentidos e aproveitados quando associados a sopas, carnes em geral, pizzas e brusquetas.                                                            
                                                                  

Exportado majoritariamente para o Brasil, o azeite uruguaio foi pouco a pouco atraindo os nossos consumidores mais exigentes e despertando interesse para o que a região de Punta del Leste e seus arredores podem oferecer, além de sol e praia nos meses de verão. Nesta perspectiva, tive a oportunidade de referir-me anteriormente em artigo às muitas opções que vêm surgindo com sucesso na região, como a Rota Gourmet da Serra dos Caracóis (http://www.rutagourmet.com.uy).

Considerando os limites da sua dimensão territorial, há no Uruguai outros fabricantes de azeites de oliva com grande tradição e qualidade, mas cujo reconhecimento, pelos próprios nacionais e o público estrangeiro, é proporcional ao tamanho dos empreendimentos, a maioria deles familiares, pequenos e paralelos à produção majoritária de vinhos. Sem qualquer dúvida, em conjunto todos contribuem sobremaneira para que o país, situado entre os 30º e 35º de latitude na costa atlântica da América do Sul, esteja hoje entre os dez maiores produtores de azeite do mundo, em condições semelhantes às da Bacia do Mediterrâneo, o que não é pouca coisa.

No entanto, tendo presentes os maciços investimentos da empresa Agroland, as características pioneiras do projeto iniciado há pouco mais de 15 anos e os resultados já obtidos, em termos de representatividade nacional e divulgação mediática, não é difícil admitir e reconhecer que Colinas de Garzón é realmente coisa séria.  E não espanta que cada vez maior número de brasileiros decidam todos os anos ir visitá-la, não só para conhecer de perto a sua linha de azeites de oliva extra-virgem, os primeiros no Uruguai a receber prêmios internacionais, como também para se deleitarem com uma paisagem encantadora e as opções gastronômicas locais, não poucas vezes remetidas pelos turistas mais viajados à Toscana Italiana. Vale conferir. 

                                                        


                                                     Silvio Assumpção

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