COLINAS DE GARZÓN: CRIATIVIDADE E TENACIDADE PLATENSES
Os atuais duzentos moradores
de Pueblo Garzón, minúscula localidade perdida entre serras a 175 km de
Montevidéu, caracterizada por casas muito simples e vida pacata, ficam
espantados com a tamanha frequência com que ouvem idiomas alheios e esbarram
com estrangeiros circulando em suas ruas de terra batida, atraídos pelo chamado
“turismo de experiências”. Acessa a microrregião cerca de 5.000 novos
visitantes por ano, 80% deles oriundos do Brasil. A referência mais
significativa da cidade (e não é pouco) é uma pousada de apenas cinco habitações,
pelas quais são cobrados por noite U$S 900 para quarto duplo e U$S 500 para individual,
a qual tem também o privilégio de abrigar um excelente restaurante, aberto
somente durante os meses de verão, idealizado e conduzido pelo consagradíssmo
chef argentino Francis Mallmann.
Fora desse período, contudo,
o afluxo de compatriotas e outros estrangeiros a essa zona de Maldonado, ao
lado das praias de Punta del Leste e José Ignácio, deve-se a um empreendimento de
grande envergadura chamado Agroland, cuja instalação no final da década de 1990
revolucionou totalmente a tranquilidade e o sossego de Pueblo Garzón, mas com
grandes vantagens econômico-financeiras para o seu entorno. Além de estar
associada à pecuária, às energias alternativas e ao reflorestamento, a empresa
tem no setor olivo-vinícola uma de suas maiores e bem sucedidas iniciativas.
Trata-se de um projeto
levado a cabo pelo multimilionário argentino Alejandro Bulgheroni que resolveu,
entre planícies verdejantes, córregos e lagos de grande beleza, plantar
oliveiras, vinhedos e construir uma planta-butique que impressiona pelos
recursos à tecnologia de ponta e pela qualidade estético-ambiental do receptivo
que atrai anualmente milhares de gourmets, visitantes comuns e consumidores de
alto poder aquisitivo para degustar azeites extra-virgem e vinhos continuamente
premiados.
São 5.000 hectares de
terras férteis, das quais 700 dedicadas às oliveiras, 500 ao cultivo de uvas e
250 destinadas às amendoeiras. Os visitantes dispõem de troles motorizados e charmosas
charretes para percorrê-las, sendo igualmente possível vislumbrar os extensos
limites da propriedade e de seu entorno a bordo de coloridos balões,
experiência inusitada que se preserva invariavelmente na memória. Na
sede-butique onde a empresa recebe os visitantes para as boas vindas e as
degustações harmonizadas há obras de arte, móveis de design e tapetes persas,
tudo muito sofisticado em meio à utilização meticulosa de pedras, vidros,
madeiras nobres e concreto aparente, bem planejados e sem exageros para não
tirar do ambiente as características campestres que o assinalam.
Depois de rápidas
apresentações audiovisuais em confortável auditório, que resgatam a utilização
milenar do azeite de oliva e contam a história do empreendimento argentino em Maldonado,
os visitantes são conduzidos a um amplo salão escuro onde, depois de cada filme
sobre as diferentes etapas do processo de produção local, movem-se as paredes
laterais e descortina-se a visão panorâmica da fábrica onde tudo acontece. Um
espetáculo sincronizado e conduzido por equipe de recepcionistas treinadas na
matéria, à disposição dos grupos de visitantes desde a chegada até o término da
programação.
Depois de saber, entre
outras peculiaridades, que Colinas de Garzón processa 200 toneladas de
azeitonas por ano, que de uma oliveira se extrai em média 25 quilos de
azeitonas, suficientes para produzir apenas 2 litros de azeite (13 kg para cada
litro), que o azeite engarrafado conserva suas propriedades originais por até 2
anos e que aberta a embalagem o produto só mantém as qualidades intrínsecas por
mais três meses, os visitantes são convidados a degustar os produtos da
empresa, em ambiente acolhedor e sintonizado com a paisagem local.
Além de provar queijos
nobres com pães fabricados no local, vinhos das cepas Alvariño, Sauvignon
Blanc, Viognier, Pinot Grigio, Pinot Noir e Tannat, cultivadas pela associada Bodega
Garzón, ademais dos azeites oferecidos à degustação personalizada (a maioria
dos brasileiros se deleita com a novidade), os turistas embevecidos descobrem
simultaneamente um pouco mais sobre as propriedades das azeitonas ali
cultivadas.
Primeiro, que a Coratina
proporciona o fabrico de um azeite varietal de excelência, com coloração
dourada intensa e ligeiros tons verdosos, de aroma herbáceo e textura
expressiva, ideal para acompanhar carnes de caça, peixes rosados e queijos
fortes. Segundo, que a combinação de Arbequina e Coratina gera um exemplar
suave, mas com caráter, ligeiramente amargo, próprio para utilização em pastas e
arrozes, saladas, peixes brancos e verduras cozidas. Terceiro, que o blend de
Coratina, Barnea e Picual oferece um sabor mais amargo, mas com personalidade, de
um dourado profundo, aroma frutado, toques picantes e textura mais espessa,
próprio também para condimentar pescados rosados, carnes e mariscos de sabores
fortes, além de carnes brancas e massas. Por último, que a mistura de Frantoio
e Leccino, de corte italiano, adquire também uma cor amarelo brilhante de
reflexos verdes, aroma frutado com matizes de ervas recém-cortadas, equilíbrio
entre o amargor e o picante, que são muito bem sentidos e aproveitados quando
associados a sopas, carnes em geral, pizzas e brusquetas.
Exportado
majoritariamente para o Brasil, o azeite uruguaio foi pouco a pouco atraindo os
nossos consumidores mais exigentes e despertando interesse para o que a região
de Punta del Leste e seus arredores podem oferecer, além de sol e praia nos
meses de verão. Nesta perspectiva, tive a oportunidade de referir-me
anteriormente em artigo às muitas opções que vêm surgindo com sucesso na
região, como a Rota Gourmet da Serra dos Caracóis (http://www.rutagourmet.com.uy).
Considerando os limites
da sua dimensão territorial, há no Uruguai outros fabricantes de azeites de
oliva com grande tradição e qualidade, mas cujo reconhecimento, pelos próprios nacionais
e o público estrangeiro, é proporcional ao tamanho dos empreendimentos, a
maioria deles familiares, pequenos e paralelos à produção majoritária de
vinhos. Sem qualquer dúvida, em conjunto todos contribuem sobremaneira para que
o país, situado entre os 30º e 35º de latitude na costa atlântica da América do
Sul, esteja hoje entre os dez maiores produtores de azeite do mundo, em condições
semelhantes às da Bacia do Mediterrâneo, o que não é pouca coisa.
No entanto, tendo
presentes os maciços investimentos da empresa Agroland, as características pioneiras
do projeto iniciado há pouco mais de 15 anos e os resultados já obtidos, em
termos de representatividade nacional e divulgação mediática, não é difícil
admitir e reconhecer que Colinas de Garzón é realmente coisa séria. E não espanta que cada vez maior número de
brasileiros decidam todos os anos ir visitá-la, não só para conhecer de perto a
sua linha de azeites de oliva extra-virgem, os primeiros no Uruguai a receber
prêmios internacionais, como também para se deleitarem com uma paisagem
encantadora e as opções gastronômicas locais, não poucas vezes remetidas pelos
turistas mais viajados à Toscana Italiana. Vale conferir.
Silvio Assumpção
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