RHOMEDES - Diretamente de Santiago, Chile
Uma célebre Casablanca distante do Marrocos
Menos
tradicional que o Valle do Maipo, no
Chile, o Valle de Casablanca começou
sua produção de vinhos em 1982 e vem crescendo rapidamente
desde então. São mais de cinco mil hectares de plantações nos arredores da Ruta 68, estrada que vai de Santiago à
região costeira de Viña del Mar e Valparaíso. Hoje é considerado o melhor
lugar do país para a produção de vinhos brancos, principalmente o Sauvignon Blanc e o Chardonnay. Entre os tintos destacam-se o Pinot Noir e o Syrah,
particularmente adaptados à influência marítima que traz uma névoa matinal do
Oceano Pacífico atuante como moderador de temperatura. Além disso, as tardes
frescas que caracterizam a região dos vales interiores chilenos favorecem a
maturação adequada das uvas e a produção de vinhos tintos de clima frio.
Foi em um passeio durante a
Semana Santa que um grupo de amigos do Rio de Janeiro, em visita à House Casa
Del Vino,
descobriu esse paraíso enoturístico de grande beleza. Depois do tour personalizado e didático, do
contato com as diferentes cepas, de folhas coloridas com formas e tamanhos variados,
de conhecerem o peculiar sistema de enxertos, de comprovarem a distinta doçura
das uvas, de recordarem que o Cabernet Sauvignon é o filho polinizado
do Cabernet Franc com o Sauvignon Blanc, o grupo foi afinal apresentado ao
exclusivo Tiraziš, um vinho de
elaboração manual que expressa sua origem de forma inigualável.
Na língua elamita, Tiraziš significa Shyraz, o nome de uma
cidade no antigo reino da Pérsia onde se acredita que a cepa teve origem. Em
algumas partes do mundo, o Syrah é conhecido como Shyraz. Segundo a tradição, no palácio real dessa cidade
histórica, onde habitava o soberano Djemchid junto ao seu harém, um jarrão com
uvas foi esquecido pelos que manuseavam os víveres. Depois de algum tempo, um
servente palaciano o encontrou e dentro dele identificou um líquido nebuloso,
borbulhante e de odor desconhecido. Intrigado, pendurou no recipiente de barro
um aviso com a palavra "veneno" e o guardou. Uma das esposas do rei,
que se encontrava muito deprimida, um dia decidiu suicidar-se. Encontrou casualmente
o tal "veneno" na dispensa e o ingeriu. Começou então a sentir um
bem-estar inexplicável e correu feliz de volta ao palácio, cantando e dançando.
O soberano ouviu falar na transformação inexplicável da concubina e consultou a
corte sobre o ocorrido. Ao saber da origem da euforia, o rei bebeu entusiasmado
a mesma poção desconhecida e experimentou os mesmos efeitos. Decretou por fim
que aquelas uvas cultivadas fossem guardadas tal como se fizera naquele jarro
de barro original, passando o apreciado licor a ser parte das mais caras tradições
persas. Considera-se, inclusive, que se de fato algum vinho foi tomado na
Última Ceia, tratava-se provavelmente de um Tiraziš, muito típico na região do Oriente Médio.
O Tiraziš do Valle de
Casablanca, de produção limitada, é essencialmente um Syrah de clima frio,
oriundo do campo Belém, situado no setor de Lo
Ovalle (que possui apenas 130 hectares de plantação), no qual a Viña Morandé (Grupo Belén) introduziu em 2010 essa cepa singular, em menos de
quatro hectares adicionais sobre as ladeiras do Cerro Algarrobo.
As especialíssimas características daquele microclima permitiram que a planta
explorasse o solo fértil, sob as sombras naturais e praticamente sem trabalhos
agrícolas, garantindo ao produto um nível de acidez que lhe favorece a
estocagem por vários anos. No nariz, destacam-se com preponderância as
especiarias, a pimenta branca, os pimentões e as frutas silvestres negras. Na
boca, revela-se a intensidade da textura e da estrutura do vinho, ao mesmo
tempo fino e potente. Serve de complemento tanto às carnes fortes quanto aos
peixes com mais gordura, que vão muito bem com cepas tintas de clima frio. Seu
consumo é recomendado a uma temperatura de 16°C.
Além do trabalho admirável do
enólogo Sven Bruchfeld, pai do Tiraziš,
foi possível ao grupo conhecer também a criatividade de Luis Piano, responsável
pelo porta-fólio do Grupo Belén e, em
especial, pela identificação visual desse verdadeiro clássico chileno. No
rótulo revela-se toda a premiada criatividade de Piano, numa espécie de storyboard ou sucessão de imagens
ilustrativas que resgata cada um dos elementos envolvidos na produção de um
vinho feito a mão, um verdadeiro vinho de autor.
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