quinta-feira, 2 de julho de 2015

CHARDONNAY RESERVA PREMIUM, de J. CHIAPPELLA

Atribui-se a Fernando Pessoa uma frase pronunciada depois de um repasto rápido em Portugal, em companhia de amigos: “na ausência de vinho, tomamos um branco”. Vai nesta assertiva, talvez, um preconceito bairrista, sobretudo oriundo do nacional de um país de tão largas tradições na produção vinícola de alta qualidade, em que se considera inadmissível chamar de vinho qualquer bebida alcoólica produzida por fermentação do sumo de uva que não seja tinta. Só o famoso Vinho do Porto, por exemplo, tem mais de 200 anos de certificado de origem ou denominação de origem controlada (desde 1756).
Mas as coisas mudaram e a qualidade das castas brancas logrou impor-se de forma inquestionável nos últimos anos, sobretudo em alguns países que possuem excelentes vantagens comparativas de produção, no chamado Novo Mundo. Para quem conhece o Chile e pôde provar os Chardonnays lá oferecidos, sabe que, malgrado as imperiosas preferências dos especialistas pela grande e quase exclusiva produção mundial dos Carménères, não há como rejeitar ou opor-se à tese de que o país andino se especializa cada vez mais na elaboração exitosa de vinhos com uvas brancas, sobretudo as da família da Vitis vinifera. Lá a soberania qualitativa da Chardonnay não tem concorrente entre as mais tradicionais castas brancas.
No Uruguai, contudo, a força majoritária entre os vinhos brancos é a do Sauvignon Blanc, uma casta de uva também da família da Vitis vinifera e originária da região da Bordeaux. No país, com aproximadamente 8.500 hectares de vinhedos, 25 % estão dedicados à produção dessa uva e 22 % destinados à Chardonnay.
Depois de conhecer um pouco as opções engarrafadas de ambas, existentes no mercado uruguaio, não é necessário ser um expert para descobrir o porquê da prevalência da primeira junto ao público consumidor, porque os vinhos uruguaios elaborados com a Sauvignon Blanc lograram hoje a preferência majoritária dos vários guias mundiais de referência.
Nunca esquecer, inclusive, que foi do cruzamento da Sauvignon Blanc com a uva tinta Cabernet Franc que surgiu uma nova variedade, a Cabernet Sauvignon, que é com certeza a uva mais conhecida mundialmente, aquela que os grandes apreciadores de vinho guardam do lado esquerdo do peito independente de quaisquer outras preferências pessoais.
Longe de me associar ao suposto preconceito de Pessoa, mas vivendo no Uruguai, creio que aquela circunstancia é uma lástima, sobretudo para os que não nos adaptamos com facilidade à bebida feita com a principal uva da região francesa do Loire trazida aos trópicos. Embora seja uma das mais admiradas do mundo e gere vinhos secos, muito frescos, a Sauvignon Blanc adquiriu por aqui características excessivamente minerais e até de grama cortada... Reina quase soberana na Banda Oriental. Contudo, só consegue rivalizar com a Chardonnay local porque esta é ainda mais questionável, não obstante continue a ser reconhecida no mundo como a variedade mais fina entre as cepas brancas de origem francesa.
Mas há uma exceção, para a alegria geral dos admiradores que, como eu, modestamente, têm uma queda declarada pela velha e eterna Chardonnay, de tão longas e consolidadas tradições no mundo europeu. Trata-se do vinho CHARDONNAY RESERVA PREMIUM da Bodega J. CHIAPPELLA, fermentado em barris de carvalho. Seu amarelo ouro verdoso e o toque tostado o assemelham, me atrevo a dizer, ao consagrado Pouilly-Fumé, com todas as características locais que transbordam do que há de melhor na região do Prata, numa elegante complexidade de aromas que se beneficia da acidez equilibrada e de um singular método de elaboração. Tudo isso o torna incomparável a qualquer outro exemplar local produzido de cepas brancas tradicionais.
Olvidai-vos, pois, de Fernando Pessoa, pelo menos como catador. Os “brancos” adquiriram cidadania e podem hoje rivalizar com os “vinhos” em várias paragens. Nos trópicos, particularmente na Banda Oriental do Rio da Prata, há pelo menos um grande exemplo dessa conquista, sem prejuízo de outras que ainda não identifiquei.
Continuamos na cata. Afinal, como ressaltou o grande escritor português no livro Poesias Inéditas (1930-1935), “boa é a vida, mas melhor é o vinho”.

                                                          Silvio Assumpção
  
                                                                     

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